Na qualidade de cronista
guardião do Legado da Irmandade da Vacaria, coube ao sempre bem-educado clérigo
anão Khan Bleedingaxe juntar-se a um novo grupo de intrépidos aventureiros, para
dar continuidade à história previamente narrada (link).
E assim, sem mais demoras, passemos ao dramatis
personae.
Lansa, um bardo half-elf que certamente dará projecção universal à
Irmandade da Vacaria
Kao, um warlock chinês sem vergonha na cara, grande apreciador de
queijo
Klin, um monge de poucas falas
Cassandra, uma paladina com tatuagens fluorescentes
Arakh, um nobre de Neverwinter em busca de dinheiro para a
reconstrução da cidade
Sai, um drow assassino
Não, eu não me enganei a
escrever. É mesmo uma PALADINA ao lado de um DROW ASSASSINO. Mas enfim, não há
razão para alarmismos… Quer dizer, não é como se o drow sem mais nem menos se
vá lembrar de, à frente da paladina e do clérigo anão, dizer que é um
assassino, como quem não quer a coisa…
PRIMEIRA PARTE – OS OLHOS DA DRACOLICH
Ora, numa companhia
bastante menos recomendável do que a anterior, o pobre Khan lá se dirigiu ao
Templo de Kelemvor (deus dos mortos), onde foram recebidos pelo Doomguide Yovir
que prontamente os colocou ao corrente da situação. A Iron Route (rota comercial que passa por Phlan) tem sido alvo de
sucessivos ataques que não deixam sobreviventes. Antes que a história possa
prosseguir, Kao (o warlock chinês) pede queijo e vinho ao Doomguide. Há rumores
de navios-fantasma a atacar a costa, e apenas um louco de nome YIP parece ter
presenciado o ocorrido. A sargento Aelid, dos Blackfists, tem procurado
investigar estes ataques, mas o maldito chinês apenas quer mais queijo. E já
agora, vinho.
Como quem não quer a
coisa, a meio da conversa, o drow diz ao Doomguide que é um assassino que faz
parte de uma guilda de assassinos e está à procura da pessoa responsável pelo
assassinato de todos os outros assassinos. O clérigo anão e a paladina – ambos
em pânico – de imediato põem as mãos sobre as orelhas, e desatam a cantar LALALALALA-LALALALALA, eu não ouvi
isto!!! eu não ouvi isto!!!, e correm porta fora! Kao, o chinês, come mais
uma fatia de queijo.
Yovir informa que YIP
encontra-se à guarda dos sacerdotes de Kelemvor, e não se cansa de repetir “Os
olhos da dracolich! Os olhos da dracolich!”
Dirigimo-nos ao quarto
onde os sacerdotes de Kelemvor mantêm YIP preso num colete-de-forças, e depois
de ele berrar trinta vezes YIP! YIP! YIP! YIP! YIP! YIP!, tenta arrancar-me o
nariz. Portanto, tenho um drow assassino ao meu lado, um chinês que em vez de
ópio é viciado em queijo, e o DM acabou de tentar arrancar o nariz do meu anão.
Isto está a começar bem! Felizmente, o bardo, apercebendo-se da situação,
decide acalmar um pouco as coisas e começa a tocar a sua flauta. E como as
coisas não podiam ficar piores, ele rola um 3 no dado, o que o coloca num
equivalente ao bardo do Astérix que acabava os livros todos amarrado a um poste
e amordaçado. Secretamente, o meu anão questiona se o seu deus não o estará a
castigar por alguma razão que a Razão desconhece…
YIP refere no meio da
confusão que “Audacity vem aí!”, e novamente refere “os olhos da dracolich”.
Hummm, penso eu, talvez esteja na hora de eu optar por uma abordagem menos
ortodoxa. Uso a minha magia divina e faço os meus olhos flamejarem como se
fossem olhos de uma dracolich. Quem sabe o louco assusta-se e diz algo mais no
meio do choque? Em vez disso, os meus amáveis companheiros ficam todos indignados
comigo! “Oh, crueldade! Oh, vilania! Como é possível fazer uma coisa tão
maléfica! Coitadinho do doido!”
Suspiro. Anão sofre… Bom,
mas o nobre de Neverwinter decide tomar as rédeas da situação e diz a Yovir que
a troco da ajuda quer que este lhe disponibilize dois monges para o
acompanharem mais tarde até à sua cidade, com o objectivo de ajudar na
reconstrução. Neste momento, o chinês pára de comer queijo para informar que
como pagamento quer que lhe sejam disponibilizadas duas freiras.
E agora paremos por um
momento para contemplar serenamente esta situação em concreto: numa mesma sala,
um louco amarrado numa camisa-de-forças, um chinês a comer queijo e a solicitar
freiras “para fins pessoais”, um drow que tranquilamente diz “eu sou um
assassino e venho de uma guilda de assassinos” à frente de uma paladina, um
bardo tão competente que consegue fazer mais dano aos nossos ouvidos do que uma
banshee, e um anão com uma dentada no nariz… Não admira que o monge esteja tão
calado.
Este amontoado de gente
ignóbil dirige-se ao quartel dos Blackfists para falar com a sargento Aelid.
Kao consegue fazer os guardas ajoelharem-se em respeito ao nobre de
Neverwinter, depois de estes pedirem cinco moedas de ouro para nos deixarem
entrar no quartel.
Lá chegamos à fala com
Aelid, que nos fala de uns ossos estranhos que encontrou no local dos ataques.
O chinês é bastante simpático com a senhora, e diz-lhe – com toda a cortesia do
mundo – que no sítio de onde ele vem as mulheres sabem qual é o seu lugar. E
perante isto, o meu anão pondera o suicídio… Mas, infelizmente, o warhammer não
serve para cortar os pulsos! Alas!
Ultrapassado o incidente
diplomático, refiro o nome Audacity,
e questiono se poderá ser o nome de um navio. Aelid consulta os livros, e
descobre que é precisamente isso. Trata-se do navio que pertenceu ao Capitão
Reev, um pirata que morreu há 60 anos. Diz-nos que Delacroix, uma mística
charlatã que tem uma loja chamada All Questions Answered, talvez nos possa ajudar, e pede-nos para a
acompanharmos até à estalagem The
Laughing Goblin, onde se vai encontrar com um gnomo de nome Philisthorne,
um suposto especialista em ossos e… cenas!
Chegados à estalagem,
deparamos com um elfo a tocar gaita-de-foles. E o nosso companheiro Lansa, o
bardo, vê aqui a sua oportunidade para se redimir do descalabro anterior, e
pegando na flauta junta-se ao gaiteiro. MAS, NÃO! Volta a rolar abaixo de 5!
Este gajo faz o bardo do Astérix parecer um membro da Orquestra Sinfónica de
Londres!!! Alguém que o algeme! A bem da saúde pública, partam-lhe os dedos! O
povo foge apavorado da estalagem…
SEGUNDA PARTE – SANGUE PARA TIAMAT!
As horas passam, e o gnomo
Philisthnrglbloglebagle não há meio de aparecer… Aelid diz-nos que se vai
ausentar, e manda-nos procurar o gnomo na ervanária. Ora, como é óbvio nestas coisas,
o gnomo apenas se tinha distraído com as horas, e não havia razão para
preocupação. Não. Nada disso. Mentira. A loja estava virada de pantanas, e o pobre Philistraplegurbogle morto no meio do chão, com uma adaga (cujo punho tinha
a forma de uma cabeça de dragão) espetada no pescoço. Khan fica devastado. Não
é para menos, anões e gnomos são primos afastados. Ajoelha-se e faz uma prece
para que os deuses cuidem da alma do pobre Philiskatrapuddle. Terminada a
oração, ao abrir os olhos vê o drow a guardar a adaga, a revirar os bolsos do
gnomo, e a deitar a mão a todas as moedas e outras posses. WHAT THE FUCK?!?!?!!
SERIOUSLY????? Assim, à cara-podre, sem qualquer respeito pelo morto!!! Isto
não pode ficar incólume! Enervado, indignado, enraivecido, vermelho de cólera,
decido dar uma lição a este drow! Eis senão quando, tenho o meu momento de
bardo-do-Astérix e rolo 5 em intimidation.
Portanto, numa vozinha muito esganiçada tento amedrontar o drow, cuspindo-me
todo, e latindo como um chihuahua. Novamente tento cortar os pulsos com o
warhammer…
Logo de seguida, dando
provas de elevadíssima coordenação, competência, experiência, know-how colectivo, e essas coisas
todas, o que é que o grupo faz? We fucking split the party! Sim, a HERESIA NÚMERO 1 de D&D! Aquela coisa que nunca, jamais,
em tempo algum, alguém ajuizado faz! E assim, três tipos decidem subir a escada
que dá para o primeiro andar, os outros três decidem descer para a adega, e o
desgraçado Khan fica no meio da loja a olhar para um lado e para o outro,
enquanto bate vezes sem conta com a cabeça no balcão da ervanária. Bom, mas eu
sou um jogador experiente, um DM com muitos anos disto, e além disso tenho um
clérigo anão com uma wisdom score
bastante alta, portanto sei exactamente o que fazer numa situação destas. Olho
para o DM, pego num dado, e digo: “se sair par subo para o primeiro andar, se
sair ímpar vou lá para baixo”. E, munido de toda a minha sensatez (e com bónus
de sinergia pela sensatez colectiva da Irmandade da Vacaria), determinadamente
e sem hesitações, subo as escadas.
AND BAM! A WILD COW APPEARS! De trás de
uma porta salta uma vaca! Este é um momento bonito, poético, e tocante.
Enquanto CEO da Irmandade da Vacaria fico com uma lágrima no canto do olho. E
não é uma vaca qualquer. É UMA MECANOVACA! Uma criatura tecnobovina, fruto da
engenharia dos gnomos. Tenho vontade de, neste momento de êxtase divino, correr
a abraçar a vaca! Mas, oh tragédia!, sou
impedido de o fazer por causa de sons de luta vindos da adega.
O monge, o nobre e o bardo
são atacados por cultistas do Culto do Dragão. Não é que o bardo não mereça,
depois de tudo o que fez, mas coitados do monge e do nobre… Desatamos a correr
em auxílio dos nossos companheiros, e fartamo-nos de ouvir “Sangue por Tiamat!
Sangue por Tiamat!” A situação é de tal forma preocupante, que o chinês pára de
comer queijo e desata a lançar raios negros das mãos. O monge tem uma
estratégia de luta engraçada. Ataca os adversários com uma espada, falha, e a
seguir dá-lhes um murro, e mata-os. Bom, é eficaz. E quanto ao nobre de Neverwinter?
Sim, o nobre certamente será uma pessoa com uma postura digna, cheia de
elevação, até tem um documento que comprova o seu pedigree! Qual quê! Esfrega as mãos no sangue dos cultistas, e
espalha-o pela cara, pintando-a como se fosse um Picto das histórias do Conan!
SHIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIT! Já não me bastava o drow, agora
tenho um William Wallace versão Tarantino?!?!?!?!?!!? Xiça, venham mas é a
dracolich, e os piratas-fantasma e o diabo-a-sete! Com esses ao menos eu sei
com o que hei-de contar!
E é nesta altura da sessão
que se dá um daqueles momentos «a touch of Destiny», como diria a Auntie Dalma
nos Piratas das Caraíbas. Eu reconheço a voz do líder dos cultistas. É o mesmo
trapaceiro que endrominou a Irmandade da Vacaria original com a história do ovo
de dragão. Ódio! Ira! Retribuição Divina! É chegado o momento de Khan
Bleedingaxe! Respiro fundo, e anuncio ao DM: “vou saltar sobre os caixotes,
enquanto lanço um grito de batalha, e rodando o meu warhammer atinjo com toda a
força as ventas desse safardana! Isto vai ser épico!”
E logo a seguir rolo 1 no
ataque. Fumble. Total, absoluto, e
sem direito a recurso. O martelo voa-me das mãos, e fico a vociferar com a
minha voz de chihuahua. O cultista ao meu lado contra-ataca. Rola 20. Critical Hit. Levo 400 milhões de dano.
Ah, mas eu sou um anão! Eu aguento tudo isso e muito ma--- O líder faz um burning hands, e com a barba em chamas o
meu anão vai ao tapete. Good night, sweet
prince…
…
Bom… lá épico, foi…
Enfim, há dias em que um
honesto anão devia ficar em casa a contar calhaus. Mas haverá alguma coisa –
uma coisinha que seja – que não corra terrivelmente mal a esta party? Bem sei que um grupo chamado
Irmandade da Vacaria não merece grande crédito, mas bolas… enough is enough! Pelo menos a paladina pode usar a sua magia para
me curar.
Paladina: DM, posso curar só 1 hp
ao anão? Só mesmo para ele abrir os olhos?
*suspiro de anão*
A sério, eu estou a
instantes de me tornar chaotic evil e
juntar-me à dracolich.
Adiante. O safardana
consegue fugir dali para fora com os ossos que Aelid tinha dado ao Philisblah,
e nós voltamos à estaca zero (sabendo apenas que os ossos tinham uma substância
verde gelatinosa usada por necromantes).
TERCEIRA PARTE – BELL IN THE DEEP
A caminho do Laughing Goblin somos chamados por um
sinistro perneta que nos pede cinco moedas de ouro para nos dar informação
sobre os ataques. Os meus distintos companheiros chegam a equacionar roubar as
muletas ao homem para o forçar a dar a informação de borla.
*novo suspiro de anão*
O perneta lá acaba por
contar a história do “Bell in the Deep”, situado numa cidade afundada (Northkeep)
na zona sul do Moonsea, castigada pela ira dos deuses, e de onde poderão estar
a surgir os ataques dos navios-fantasma. Isso, ou então bebeu rum a mais.
No dia seguinte rumamos à All Questions Answered, da
charlatã-mística chamada Delacroix, que nos é apresentada como alguém que usa
um abajur na cabeça, do qual pendem lantejoulas. Cheira-me que a credibilidade
da moça está 100% assegurada… Depois de engrupir os meus camaradas com algumas
baboseiras sobre familiares desaparecidos, olha para mim e fala no espírito de
um animal que me persegue: uma vaca! HOLY SHIT! SHE’S FOR REAL!
A mística é igualmente uma
cartógrafa cheia de informações cruciais para o desenvolvimento da história. No
entanto, pede cinco moedas de ouro a troco da informação. E ocorre mais um momento
que espelha bem a elevada cooperação entre os membros do grupo, pois ninguém se
chega à frente. Durante largos minutos os jogadores olham uns para os outros e nem
um se quer chegar à frente. A campanha INTEIRA fica em suspenso por cinco
moedas de ouro. O DM já morde desesperadamente no livro (pergunto-lhe se quer
que lhe empreste o meu warhammer para cortar os pulsos… mas só se ele me der
cinco moedas de ouro). E assim ficamos neste impasse, até que o bardo,
timidamente, coloca UMA moeda em cima do balcão. O monge coloca mais UMA moeda no
monte. E assim vamos, sucessivamente, moedinha após moedinha, jogador após
jogador, empilhando cinco moedas de ouro. UFA! Respiremos de alívio! A campanha
está salva!
Existe uma ilha que não
vem assinalada nos mapas convencionais, onde reside uma comunidade piscatória
de seu nome Stormy Bay (aposto que
deve ser um sítio acolhedor). E é lá que jazem as respostas que procuramos. Os
ataques à costa aparentam estar alinhados com a mudança da Lua, portanto dentro
de dois dias…
De seguida, a mística olha
para mim e diz que por mais cinco moedas de ouro consegue falar com o espírito
do capitão pirata. Hesito. Caramba, mas ela acertou na cena da vaca! Ok, toma
lá cinco moedas de ouro. Mas a maluca desata a guinchar, e a dizer que o nosso
ente querido está a ser torturado no fogo dos Sete Infernos. Hum?!?!?! Mas qual
ente querido? Eu quero é falar com o capitão fantasma! Charlatã! Exijo as
minhas cinco moedas de volta!
Rumamos rapidamente à
casota do ferryboat que faz a travessia entre a costa e a ilha misteriosa.
Tocamos o sino, e surge um tipo mal-humorado num barquinho a remos. Adivinhem qual
é o preço da travessia? Nem mais: cinco moedas de ouro. Ao menos aqui não há
inflação nem impostos que interfiram com o mercado livre!
O homem rema, e rema, e
rema, e o tempo sempre a piorar. É de noite, e a tempestade que se abate sobre
o mar parece um prenúncio do fim do mundo. De repente há uma sombra que passa
no meio das nuvens. É algo aparentemente muito grande. Há um guincho estridente
que nos gela o sangue. O mar está revolto. Ouvimos qualquer coisa a romper as
ondas. Um barco colossal, de velas negras, rasga o mar, abalroando o nosso
ferryboat. O nome do barco? Audacity.
Fim da sessão.
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