Monday, 13 October 2014

D&D 5.0 – A Mecanovaca e os Olhos da Dracolich



Na qualidade de cronista guardião do Legado da Irmandade da Vacaria, coube ao sempre bem-educado clérigo anão Khan Bleedingaxe juntar-se a um novo grupo de intrépidos aventureiros, para dar continuidade à história previamente narrada (link). E assim, sem mais demoras, passemos ao dramatis personae.
Lansa, um bardo half-elf que certamente dará projecção universal à Irmandade da Vacaria
Kao, um warlock chinês sem vergonha na cara, grande apreciador de queijo
Klin, um monge de poucas falas
Cassandra, uma paladina com tatuagens fluorescentes
Arakh, um nobre de Neverwinter em busca de dinheiro para a reconstrução da cidade
Sai, um drow assassino
Não, eu não me enganei a escrever. É mesmo uma PALADINA ao lado de um DROW ASSASSINO. Mas enfim, não há razão para alarmismos… Quer dizer, não é como se o drow sem mais nem menos se vá lembrar de, à frente da paladina e do clérigo anão, dizer que é um assassino, como quem não quer a coisa…

PRIMEIRA PARTE – OS OLHOS DA DRACOLICH
Ora, numa companhia bastante menos recomendável do que a anterior, o pobre Khan lá se dirigiu ao Templo de Kelemvor (deus dos mortos), onde foram recebidos pelo Doomguide Yovir que prontamente os colocou ao corrente da situação. A Iron Route (rota comercial que passa por Phlan) tem sido alvo de sucessivos ataques que não deixam sobreviventes. Antes que a história possa prosseguir, Kao (o warlock chinês) pede queijo e vinho ao Doomguide. Há rumores de navios-fantasma a atacar a costa, e apenas um louco de nome YIP parece ter presenciado o ocorrido. A sargento Aelid, dos Blackfists, tem procurado investigar estes ataques, mas o maldito chinês apenas quer mais queijo. E já agora, vinho.
Como quem não quer a coisa, a meio da conversa, o drow diz ao Doomguide que é um assassino que faz parte de uma guilda de assassinos e está à procura da pessoa responsável pelo assassinato de todos os outros assassinos. O clérigo anão e a paladina – ambos em pânico – de imediato põem as mãos sobre as orelhas, e desatam a cantar LALALALALA-LALALALALA, eu não ouvi isto!!! eu não ouvi isto!!!, e correm porta fora! Kao, o chinês, come mais uma fatia de queijo.
Yovir informa que YIP encontra-se à guarda dos sacerdotes de Kelemvor, e não se cansa de repetir “Os olhos da dracolich! Os olhos da dracolich!”
Dirigimo-nos ao quarto onde os sacerdotes de Kelemvor mantêm YIP preso num colete-de-forças, e depois de ele berrar trinta vezes YIP! YIP! YIP! YIP! YIP! YIP!, tenta arrancar-me o nariz. Portanto, tenho um drow assassino ao meu lado, um chinês que em vez de ópio é viciado em queijo, e o DM acabou de tentar arrancar o nariz do meu anão. Isto está a começar bem! Felizmente, o bardo, apercebendo-se da situação, decide acalmar um pouco as coisas e começa a tocar a sua flauta. E como as coisas não podiam ficar piores, ele rola um 3 no dado, o que o coloca num equivalente ao bardo do Astérix que acabava os livros todos amarrado a um poste e amordaçado. Secretamente, o meu anão questiona se o seu deus não o estará a castigar por alguma razão que a Razão desconhece…
YIP refere no meio da confusão que “Audacity vem aí!”, e novamente refere “os olhos da dracolich”. Hummm, penso eu, talvez esteja na hora de eu optar por uma abordagem menos ortodoxa. Uso a minha magia divina e faço os meus olhos flamejarem como se fossem olhos de uma dracolich. Quem sabe o louco assusta-se e diz algo mais no meio do choque? Em vez disso, os meus amáveis companheiros ficam todos indignados comigo! “Oh, crueldade! Oh, vilania! Como é possível fazer uma coisa tão maléfica! Coitadinho do doido!”
Suspiro. Anão sofre… Bom, mas o nobre de Neverwinter decide tomar as rédeas da situação e diz a Yovir que a troco da ajuda quer que este lhe disponibilize dois monges para o acompanharem mais tarde até à sua cidade, com o objectivo de ajudar na reconstrução. Neste momento, o chinês pára de comer queijo para informar que como pagamento quer que lhe sejam disponibilizadas duas freiras.
E agora paremos por um momento para contemplar serenamente esta situação em concreto: numa mesma sala, um louco amarrado numa camisa-de-forças, um chinês a comer queijo e a solicitar freiras “para fins pessoais”, um drow que tranquilamente diz “eu sou um assassino e venho de uma guilda de assassinos” à frente de uma paladina, um bardo tão competente que consegue fazer mais dano aos nossos ouvidos do que uma banshee, e um anão com uma dentada no nariz… Não admira que o monge esteja tão calado.
Este amontoado de gente ignóbil dirige-se ao quartel dos Blackfists para falar com a sargento Aelid. Kao consegue fazer os guardas ajoelharem-se em respeito ao nobre de Neverwinter, depois de estes pedirem cinco moedas de ouro para nos deixarem entrar no quartel.
Lá chegamos à fala com Aelid, que nos fala de uns ossos estranhos que encontrou no local dos ataques. O chinês é bastante simpático com a senhora, e diz-lhe – com toda a cortesia do mundo – que no sítio de onde ele vem as mulheres sabem qual é o seu lugar. E perante isto, o meu anão pondera o suicídio… Mas, infelizmente, o warhammer não serve para cortar os pulsos! Alas!
Ultrapassado o incidente diplomático, refiro o nome Audacity, e questiono se poderá ser o nome de um navio. Aelid consulta os livros, e descobre que é precisamente isso. Trata-se do navio que pertenceu ao Capitão Reev, um pirata que morreu há 60 anos. Diz-nos que Delacroix, uma mística charlatã que tem uma loja chamada All Questions Answered, talvez nos possa ajudar, e pede-nos para a acompanharmos até à estalagem The Laughing Goblin, onde se vai encontrar com um gnomo de nome Philisthorne, um suposto especialista em ossos e… cenas!
Chegados à estalagem, deparamos com um elfo a tocar gaita-de-foles. E o nosso companheiro Lansa, o bardo, vê aqui a sua oportunidade para se redimir do descalabro anterior, e pegando na flauta junta-se ao gaiteiro. MAS, NÃO! Volta a rolar abaixo de 5! Este gajo faz o bardo do Astérix parecer um membro da Orquestra Sinfónica de Londres!!! Alguém que o algeme! A bem da saúde pública, partam-lhe os dedos! O povo foge apavorado da estalagem…

SEGUNDA PARTE – SANGUE PARA TIAMAT!
As horas passam, e o gnomo Philisthnrglbloglebagle não há meio de aparecer… Aelid diz-nos que se vai ausentar, e manda-nos procurar o gnomo na ervanária. Ora, como é óbvio nestas coisas, o gnomo apenas se tinha distraído com as horas, e não havia razão para preocupação. Não. Nada disso. Mentira. A loja estava virada de pantanas, e o pobre Philistraplegurbogle morto no meio do chão, com uma adaga (cujo punho tinha a forma de uma cabeça de dragão) espetada no pescoço. Khan fica devastado. Não é para menos, anões e gnomos são primos afastados. Ajoelha-se e faz uma prece para que os deuses cuidem da alma do pobre Philiskatrapuddle. Terminada a oração, ao abrir os olhos vê o drow a guardar a adaga, a revirar os bolsos do gnomo, e a deitar a mão a todas as moedas e outras posses. WHAT THE FUCK?!?!?!! SERIOUSLY????? Assim, à cara-podre, sem qualquer respeito pelo morto!!! Isto não pode ficar incólume! Enervado, indignado, enraivecido, vermelho de cólera, decido dar uma lição a este drow! Eis senão quando, tenho o meu momento de bardo-do-Astérix e rolo 5 em intimidation. Portanto, numa vozinha muito esganiçada tento amedrontar o drow, cuspindo-me todo, e latindo como um chihuahua. Novamente tento cortar os pulsos com o warhammer…
Logo de seguida, dando provas de elevadíssima coordenação, competência, experiência, know-how colectivo, e essas coisas todas, o que é que o grupo faz? We fucking split the party! Sim, a HERESIA NÚMERO 1 de D&D! Aquela coisa que nunca, jamais, em tempo algum, alguém ajuizado faz! E assim, três tipos decidem subir a escada que dá para o primeiro andar, os outros três decidem descer para a adega, e o desgraçado Khan fica no meio da loja a olhar para um lado e para o outro, enquanto bate vezes sem conta com a cabeça no balcão da ervanária. Bom, mas eu sou um jogador experiente, um DM com muitos anos disto, e além disso tenho um clérigo anão com uma wisdom score bastante alta, portanto sei exactamente o que fazer numa situação destas. Olho para o DM, pego num dado, e digo: “se sair par subo para o primeiro andar, se sair ímpar vou lá para baixo”. E, munido de toda a minha sensatez (e com bónus de sinergia pela sensatez colectiva da Irmandade da Vacaria), determinadamente e sem hesitações, subo as escadas.
AND BAM! A WILD COW APPEARS! De trás de uma porta salta uma vaca! Este é um momento bonito, poético, e tocante. Enquanto CEO da Irmandade da Vacaria fico com uma lágrima no canto do olho. E não é uma vaca qualquer. É UMA MECANOVACA! Uma criatura tecnobovina, fruto da engenharia dos gnomos. Tenho vontade de, neste momento de êxtase divino, correr a abraçar a vaca! Mas, oh tragédia!, sou impedido de o fazer por causa de sons de luta vindos da adega.

O monge, o nobre e o bardo são atacados por cultistas do Culto do Dragão. Não é que o bardo não mereça, depois de tudo o que fez, mas coitados do monge e do nobre… Desatamos a correr em auxílio dos nossos companheiros, e fartamo-nos de ouvir “Sangue por Tiamat! Sangue por Tiamat!” A situação é de tal forma preocupante, que o chinês pára de comer queijo e desata a lançar raios negros das mãos. O monge tem uma estratégia de luta engraçada. Ataca os adversários com uma espada, falha, e a seguir dá-lhes um murro, e mata-os. Bom, é eficaz. E quanto ao nobre de Neverwinter? Sim, o nobre certamente será uma pessoa com uma postura digna, cheia de elevação, até tem um documento que comprova o seu pedigree! Qual quê! Esfrega as mãos no sangue dos cultistas, e espalha-o pela cara, pintando-a como se fosse um Picto das histórias do Conan! SHIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIT! Já não me bastava o drow, agora tenho um William Wallace versão Tarantino?!?!?!?!?!!? Xiça, venham mas é a dracolich, e os piratas-fantasma e o diabo-a-sete! Com esses ao menos eu sei com o que hei-de contar!
E é nesta altura da sessão que se dá um daqueles momentos «a touch of Destiny», como diria a Auntie Dalma nos Piratas das Caraíbas. Eu reconheço a voz do líder dos cultistas. É o mesmo trapaceiro que endrominou a Irmandade da Vacaria original com a história do ovo de dragão. Ódio! Ira! Retribuição Divina! É chegado o momento de Khan Bleedingaxe! Respiro fundo, e anuncio ao DM: “vou saltar sobre os caixotes, enquanto lanço um grito de batalha, e rodando o meu warhammer atinjo com toda a força as ventas desse safardana! Isto vai ser épico!”
E logo a seguir rolo 1 no ataque. Fumble. Total, absoluto, e sem direito a recurso. O martelo voa-me das mãos, e fico a vociferar com a minha voz de chihuahua. O cultista ao meu lado contra-ataca. Rola 20. Critical Hit. Levo 400 milhões de dano. Ah, mas eu sou um anão! Eu aguento tudo isso e muito ma--- O líder faz um burning hands, e com a barba em chamas o meu anão vai ao tapete. Good night, sweet prince
Bom… lá épico, foi…
Enfim, há dias em que um honesto anão devia ficar em casa a contar calhaus. Mas haverá alguma coisa – uma coisinha que seja – que não corra terrivelmente mal a esta party? Bem sei que um grupo chamado Irmandade da Vacaria não merece grande crédito, mas bolas… enough is enough! Pelo menos a paladina pode usar a sua magia para me curar.
Paladina: DM, posso curar só 1 hp ao anão? Só mesmo para ele abrir os olhos?
*suspiro de anão*
A sério, eu estou a instantes de me tornar chaotic evil e juntar-me à dracolich.
Adiante. O safardana consegue fugir dali para fora com os ossos que Aelid tinha dado ao Philisblah, e nós voltamos à estaca zero (sabendo apenas que os ossos tinham uma substância verde gelatinosa usada por necromantes).


TERCEIRA PARTE – BELL IN THE DEEP
A caminho do Laughing Goblin somos chamados por um sinistro perneta que nos pede cinco moedas de ouro para nos dar informação sobre os ataques. Os meus distintos companheiros chegam a equacionar roubar as muletas ao homem para o forçar a dar a informação de borla.
*novo suspiro de anão*
O perneta lá acaba por contar a história do “Bell in the Deep”, situado numa cidade afundada (Northkeep) na zona sul do Moonsea, castigada pela ira dos deuses, e de onde poderão estar a surgir os ataques dos navios-fantasma. Isso, ou então bebeu rum a mais.
No dia seguinte rumamos à All Questions Answered, da charlatã-mística chamada Delacroix, que nos é apresentada como alguém que usa um abajur na cabeça, do qual pendem lantejoulas. Cheira-me que a credibilidade da moça está 100% assegurada… Depois de engrupir os meus camaradas com algumas baboseiras sobre familiares desaparecidos, olha para mim e fala no espírito de um animal que me persegue: uma vaca! HOLY SHIT! SHE’S FOR REAL!
A mística é igualmente uma cartógrafa cheia de informações cruciais para o desenvolvimento da história. No entanto, pede cinco moedas de ouro a troco da informação. E ocorre mais um momento que espelha bem a elevada cooperação entre os membros do grupo, pois ninguém se chega à frente. Durante largos minutos os jogadores olham uns para os outros e nem um se quer chegar à frente. A campanha INTEIRA fica em suspenso por cinco moedas de ouro. O DM já morde desesperadamente no livro (pergunto-lhe se quer que lhe empreste o meu warhammer para cortar os pulsos… mas só se ele me der cinco moedas de ouro). E assim ficamos neste impasse, até que o bardo, timidamente, coloca UMA moeda em cima do balcão. O monge coloca mais UMA moeda no monte. E assim vamos, sucessivamente, moedinha após moedinha, jogador após jogador, empilhando cinco moedas de ouro. UFA! Respiremos de alívio! A campanha está salva!
Existe uma ilha que não vem assinalada nos mapas convencionais, onde reside uma comunidade piscatória de seu nome Stormy Bay (aposto que deve ser um sítio acolhedor). E é lá que jazem as respostas que procuramos. Os ataques à costa aparentam estar alinhados com a mudança da Lua, portanto dentro de dois dias…
De seguida, a mística olha para mim e diz que por mais cinco moedas de ouro consegue falar com o espírito do capitão pirata. Hesito. Caramba, mas ela acertou na cena da vaca! Ok, toma lá cinco moedas de ouro. Mas a maluca desata a guinchar, e a dizer que o nosso ente querido está a ser torturado no fogo dos Sete Infernos. Hum?!?!?! Mas qual ente querido? Eu quero é falar com o capitão fantasma! Charlatã! Exijo as minhas cinco moedas de volta!
Rumamos rapidamente à casota do ferryboat que faz a travessia entre a costa e a ilha misteriosa. Tocamos o sino, e surge um tipo mal-humorado num barquinho a remos. Adivinhem qual é o preço da travessia? Nem mais: cinco moedas de ouro. Ao menos aqui não há inflação nem impostos que interfiram com o mercado livre!
O homem rema, e rema, e rema, e o tempo sempre a piorar. É de noite, e a tempestade que se abate sobre o mar parece um prenúncio do fim do mundo. De repente há uma sombra que passa no meio das nuvens. É algo aparentemente muito grande. Há um guincho estridente que nos gela o sangue. O mar está revolto. Ouvimos qualquer coisa a romper as ondas. Um barco colossal, de velas negras, rasga o mar, abalroando o nosso ferryboat. O nome do barco? Audacity.

Fim da sessão.


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